Manifesto 2012 - Por que marchamos?
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Carta Manifesto da Marcha das Vadias/DF 2012
Por que marchamos?
Em 2011, fomos duas mil pessoas marchando por
uma sociedade sem violência contra a mulher.
No DF, marchamos porque houve cerca de 684
inquéritos policiais em crimes de estupro – uma média
de duas mulheres violentadas por dia -, e sabemos
que ainda há várias mulheres e meninas abusadas
cujos casos desconhecemos. Marchamos porque
muitas de nós dependemos do precário sistema de
transporte público do Distrito Federal, que nos obriga
a andar longas distâncias sem qualquer segurança ou
iluminação para proteger as várias mulheres que são
abusadas sexualmente ao longo desses trajetos.
Dia 26 de maio deste ano, continuaremos marchando porque,
no Brasil, aproximadamente 15 mil mulheres são estupradas
por ano e, mesmo assim, nossa sociedade acha graça quando
um humorista faz piada sobre estupro. Marchamos porque o
nosso Superior Tribunal de Justiça inocentou um homem que
estuprou três meninas de 12 anos alegando que elas já se prostituíam,
culpabilizando as vítimas, ignorando sua situação de vulnerabilidade
e negando a falência do próprio Estado, incapaz de garantir
uma vida digna para que meninas tão novas não fossem levadas
a serem exploradas sexualmente. Marchamos porque vivemos
em uma sociedade onde homens são capazes de planejar e
executar um estupro coletivo de seis mulheres
como “presente de aniversário”.
como “presente de aniversário”.
Marchamos pelo direito ao aborto legal e seguro,
porque não queremos Legislativo, Judiciário ou Executivo
interferindo em nossos úteros para nos dizer que um aborto
é pior que um estupro. Marchamos principalmente para que as
mulheres pobres, que abortam em condições desumanas, não
continuem sendo criminalizadas e levadas à morte pela negligência
e perseguição do Estado, como no caso recente em que o
Tribunal de Justiça de São Paulo levará uma mulher acusada de
aborto a Juri Popular a pedido do Ministério Público.
Marchamos porque o Brasil ocupa, vergonhosamente,
o 7 º lugar em homicídio de mulheres e porque,
a cada 15 segundos lendo este Manifesto,
uma mulher é agredida em algum canto do país.
Continuaremos marchando porque nos colocam rebolativas e
caladas como mero pano de fundo em programas de TV nas
tardes de domingo e utilizam nossa imagem semi-nua para vender
cerveja, vendendo a nós mesmas como mero objeto de prazer
e consumo dos homens. Continuaremos marchando porque
vivemos em uma cultura patriarcal que aciona diversos
dispositivos para reprimir a sexualidade da mulher, nos dividindo
em “santas” e “putas”, e a mesma sociedade que explora a
publicização de nossos corpos – voltada ao prazer masculino – se
escandaliza quando mostramos o seio em público para amamentar
nossas/os filhas e filhos. Continuaremos marchando porque mulheres
ainda são minoria em cargos de poder e recebem em média
70% do salário dos homens. Continuaremos marchando porque
há trabalhos desempenhados por uma maioria feminina que não
são reconhecidos, nem dotados de valor econômico, porque as
trabalhadoras domésticas são invisibilizadas, exploradas,
discriminadas e não têm assegurados alguns dos direitos fundamentais
mais básicos do trabalho. Continuaremos marchando porque
prostitutas fazem parte do funcionamento de uma sociedade machista
e hipócrita que, ao mesmo tempo em que se utiliza de seus corpos,
insiste em negar suas cidadanias.
Marchamos contra o racismo porque durante séculos nós,
mulheres negras, fomos estupradas e, hoje, empregadas domésticas
são violentadas, assim como eram as mucamas.
Marchamos pelas crianças negras que são hostilizadas pela cor de sua pele,
por seus cabelos crespos e são levadas a negar suas identidades negras
desde a infância, impelidas a aderir ao padrão de beleza racista vigente.
Marchamos porque nossa sociedade racista prega que as mulheres
negras são “putas” por serem negras, tratando-nos como mulas, mulatas
e objetos de diversão, desprovidas de dor e pudor.
Marchamos porque nós negras vivenciamos desprezo e desafeto
reduzindo nossas possibilidades afetivas; “Vadia” enquanto estigma
recai especialmente sobre nós negras, por isto marchamos em repúdio
a esta classificação preconceituosa e
discriminatória de nosso pertencimento étnico-racial.
Marchamos pela saúde das mulheres negras,
porque temos menos acesso aos serviços de saúde,
porque nos negam pré-natais, cesarianas e anestesias por
acreditarem que somos animais e não sentimos dor,
porque sofremos tentativas de extermínio ao sermos
submetidas a esterilizações cirúrgicas sem nosso consentimento,
porque somos as que mais morremos em virtude de abortos
clandestinos e de complicações no parto, porque nos oferecem
atendimento inadequado por terem nojo de nossos corpos negros.
Marchamos pelas cotas raciais nas universidades públicas, porque
temos menos acesso à informação e ao ensino superior e
queremos ser mestras, doutoras e ter autoridade do argumento
para escrever nossas próprias histórias. Marchamos para
exigir providências contra as ameaças dirigidas a nós da
Marcha das Vadias e às/os estudantes da Universidade de Brasília,
proferidas por grupos de ódio que insultam mulheres,
negros/as e homossexuais.
negros/as e homossexuais.
Marchamos porque não vamos deixar que o medo nos silencie.
Marchamos também porque nós, mulheres indígenas,
lideramos os índices de mortalidade materna e há mais
de quinhentos anos sofremos agressões e estupros como
arma do genocídio social e cultural de nossos povos.
Marchamos porque mulheres e meninas indígenas têm suas
necessidades específicas ignoradas pelo governo, que negligencia
o fato inaceitável de que, no mundo, uma em cada três indígenas
é estuprada durante a vida e que, no Brasil, muitas mulheres e
meninas indígenas são levadas à prostituição e ao trabalho
escravo pela condição de extrema pobreza em que vivem.
No mundo, marchamos porque desde muito novas somos
ensinadas a sentir culpa e vergonha pela expressão de nossa
sexualidade e a temer que homens invadam nossos corpos
sem o nosso consentimento; marchamos porque muitas de
nós somos responsabilizadas pela possibilidade de sermos
estupradas, quando são os homens que devem ser ensinados
a não estuprar; marchamos porque mulheres lésbicas de
vários países sofrem o chamado “estupro corretivo” por parte de
homens que se acham no direito de puni-las para corrigir o que
consideram um desvio sexual. Marchamos porque, como reflexo
desse cenário de opressão e subordinação, 70% das mulheres
com deficiência intelectual, como a síndrome de down, já sofreram
abuso sexual, cometido muitas vezes por seus próprios cuidadores
e/ou familiares. Marchamos porque ontem um pai abusou sexualmente
de uma filha, porque hoje um marido violentou a esposa e, nesse momento,
várias mulheres e meninas estão tendo seus corpos invadidos por
homens aos quais elas não deram permissão para fazê-lo.
Marchamos porque há poderes institucionalizados que banalizam
todas essas violências, porque o Estado não toma todas as
medidas necessárias para prevenir as nossas mortes e porque
estamos cansadas de sentir que não podemos fazer nada por
nossas irmãs agredidas e mortas diariamente.
Mas podemos. Já fomos chamadas de vadias porque
usamos roupas curtas, já fomos chamadas de vadias
porque transamos antes do casamento,
já fomos chamadas de vadias por simplesmente dizer “não” a um homem,
já fomos chamadas de vadias porque levantamos
o tom de voz em uma discussão,
já fomos chamadas de vadias porque
não seguimos o que a sociedade ou a nossa família esperava de nós,
já fomos chamadas de vadias porque andamos sozinhas
à noite e fomos estupradas,
já fomos chamadas de vadias porque ficamos bêbadas e
sofremos estupro enquanto estávamos inconscientes,
por um ou vários homens ao mesmo tempo,
já fomos chamadas de vadias quando torturadas
e curradas durante a Ditadura Militar e em
todos os regimes carcerários antes e depois disso.
Já fomos e somos diariamente chamadas de vadias
apenas porque somos MULHERES.
Mas, hoje, marchamos mais uma vez para dizer
que não aceitaremos que palavras e ações
sejam utilizadas para nos agredir.
Nenhuma palavra mais vai nos parar, impedir,
restringir ou dividir, pois os direitos das mulheres
são de todas. Enquanto, na nossa sociedade machista,
algumas forem invadidas e humilhadas por
serem consideradas vadias, TODAS NÓS SOMOS VADIAS.
E somos todas santas, e somos todas fortes,
e somos todas livres para ser o que quisermos!
Somos livres de rótulos, de estereótipos e de
qualquer tentativa de opressão masculina à nossa vida,
à nossa sexualidade e aos nossos corpos.
Estar no comando de nossa vida sexual não
significa que estamos nos abrindo para uma
expectativa de violência, e por isso somos solidárias
a todas as mulheres estupradas em qualquer circunstância,
porque tiveram seus corpos invadidos, foram agredidas e
humilhadas, tiveram sua dignidade destroçada e muitas vezes
foram culpadas por isso. O direito a uma vida livre de violência,
o direito à expressão da própria sexualidade e a autonomia
sobre o próprio corpo são alguns dos direitos mais
básicos de toda mulher, e é pela garantia desses direitos
fundamentais que marchávamos há um ano, marchamos hoje
e marcharemos até que todas sejamos livres.
Marcharemos para que não restem dúvidas de que
nossos corpos são nossos, não de qualquer homem
que nos assedia na rua, nem dos nossos pais, maridos
ou namorados, nem dos pastores ou padres, nem dos
Congressistas, nem dos médicos ou dos consumidores.
Nossos corpos são nossos e vamos usá-los, vesti-los e
caminhá-los por onde e como bem entendermos.
Livres de violência, com muito prazer e respeito!
Negras, brancas, indígenas, estudantes,
trabalhadoras, prostitutas, camponesas,
transgêneras, mães, filhas, avós.
Somos de nós mesmas, somos todas mulheres,
somos todas vadias!
Até amanhã. mulheres do DF! Mal posso esperar!
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