As três lágrimas
"Vou no banheiro."
"Tá."
Maria sentiu as 3 lágrimas descerem assim que João fechou a porta atrás dele,
a lágrima pesada que desceu dos olhos e escorreu até o travesseiro,
a lágrima que desceu da testa e parou ali mesmo, na própria testa, e a lágrima
que desceu entre as pernas esquentando tudo. Ela só conseguia ver duas coisas.
O clarão que vinha da varanda, deixando o quarto todo branco muito mais branco...
e os quadros. Existe aquela cena cliché de livro de romance de que a mulher
não gosta de ser deixada sozinha depois do sexo. Ela concluiu: MENTIRA.
Ela adorava ficar sozinha, e naquele lugar, ainda mais, ela sentindo espasmos
involuntários de cada músculo, esfriando a temperatura de seu corpo com a brisa
que entrava pela varanda, ouvindo os pássaros lá fora e ainda... ela podia então
entrar nos quadros. Os quadros do pintor dela. O pintor. O PINTOR. Ela olhava
e muitas vezes não entendia. As pessoas, inclusive ele, achavam que ela não
entendia o que significavam ali. Ela não sabia explicar, mas na verdade, o que ela
queria saber era como aquelas coisas foram parar ali. Como foram criadas no
cérebro e na alma e transportadas para fora, para aquelas telas. Lembrou de outras
vezes que dormiu naquele quarto e riu de si mesma. Ela não queria nada além de
estar ali dentro por algumas horas, de vez em quando. Nada? (ela se perguntou).
Nada mais. Certeza. Estar ali às vezes era mais do que suficiente...
João voltou.
"Sabia que eu já lambi seu quadro?"
"Quê?"
"É."
"Que isso? Por quê?"
"É que quando eu não podia dormir aqui, era o único jeito de eu sentir o seu gosto."
Ele não respondeu nada nem deixou ver a expressão sisuda em seu rosto. Foi pra varanda.
"Não me leve a mal, é que eu gosto mais dos seus desenhos do que de você." - disse, matando a sede no gargalo do vinho vagabundo.
"São pinturas."
(N.R. 05/12/12)
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