Gravidez



Antes de conhecer a gravidez por dentro, 
quando eu tinha contato com ela por fora do meu corpo,
através de outra mulher, 
carregando um bebê dentro de si mesma... 
eu tinha "mixed feelings"
um tanto quanto complexos a respeito desse evento. 

Ao mesmo tempo que eu achava mágico, sentia agonia.
Porque há uma pessoa dentro de outra, e lembro de ver
a pele da barriga das grávidas bem esticada, e isso me 
causava arrepios, na infância, adolescência e idade adulta.

Outros corpos gestando, de leoas no zoo, da minha própria
cachorra Diadorim, de tantos outros mamíferos que vi gestar,
parir, limpar, na chácara, eram corpos muito diferentes do corpo 
humano. 

Talvez por serem cobertos em uma quantidade de 
pelos muito maior, talvez por serem "melhor distribuidos"(?)
sobre quatro patas, fazendo a barriguinha grande ficar mais
harmoniosa... não sei ao certo. 

O certo é que a gravidez humana
sempre me causou a curiosidade exacerbada do ignorante.

Ao ver um bebê que estava dentro da barriga estar fora, 
amamentando, eu ficava impressionada, e cheia de atração
selvagem por esse evento, queria ver como o bebê conseguia 
sugar o peito das amigas da minha mãe, ficava olhando durante
muito tempo, tentando sacar como eles faziam para tirar leite de
um lugar cujo FURO era impossível de ver. 

Eu sabia como sugar meus copinhos de suco com bico, 
a mamadeira me parecia óbvia, porque eu via o FURO. 
Mas o mamilo não tem um furo por onde se consegue ver o interior do peito. 
Mesmo assim, o bebê sabe tirar leite daquele lugar de furos invisíveis.
Segurar uma mamadeira, um copo, sempre me pareceu fácil, 
mas o peito é de pele, o peito é mole, e é móvel.

Enfim, na gravidez tenho me lembrado de toda a minha infância e 
vários livros jungianos, várias mães, várias mulheres da minha família
me avisaram que isso alguma hora ia começar a acontecer... 

O inconsciente sempre vai... se você controla ele acordada, ele vai
sozinho pelos sonhos, quando você não controla nada. Eu tenho lembrado
muito nesse último quinto mês do meu contato com bebês aos 5, 6, 7 anos
de idade. Certamente tive muitos sentimentos confusos, quase que metade
bons, e metade ruins sobre o gerar vida. 

O interessante sobre isso é que esse meu perfil não é diferente do que
sinto agora que estou grávida. Sinto-me extremamente responsável e engajada
na minha gravidez, Eu também sinto que amadureci muito, que realmente se
os bebês escolhem a hora de vir, que ela escolheu muito certo. O final do meu
mestrado, o final de um ano da minha terapia, o final do meu retorno de Saturno.
A hora de nascer ser a hora de nascer a mãe dela, a hora de nascer uma nova Nina.

Nunca imaginei que os bebês pudessem ser sábios... 

Incrível, meio caminho andado da gravidez... a perda de controle. Não ter certeza
de absolutamente nada que acontece com ela. Os resultados de todos os exames de
gravidez vêm com uma porcentagem possível de acerto de diagnóstico. Tanto os 
exames de sexagem (de sangue e ecografia), quanto o exame de translucência nucal,
as ultrassonografias morfológicas, os bebês não são tão óbvios quanto outros 
organismos dentro do corpo humano. Os médicos são acostumados com essa porcentagem, 
mas os pais não. E o que a gente tem de aprender a fazer é entregar, confiar, torcer,
Além de fazer tudo certo, pré-natal, exames do bebê, exames da mamãe, dormir bem,
comer direito, alongar e se respeitar. 

Não vomitei, não enjoei... e todos acham que LOGO... tudo foi um mar de rosas.

Não.
Não mesmo. Os cheiros que sentia no início da gravidez, um olfato aguçado... quase
me fizeram sentir pena do meu cachorro, que fareja muito mais do que eu. Os cheiros
me colocaram louca, aromas que nunca me incomodaram, pelo contrário, sempre os 
identifiquei como familiares... incenso, aromatizador, fumaça de cigarro, álcool, acetona,
algumas comidas doces de panela... tudo me deixava atordoada, com vontade de
sumir para outro lugar. Não consigo mais cumprimentar meu vizinho que fuma no 
corredor, já pensei em vários jeitos de matá-lo (só de sacanagem, mas com um certo prazer).

Definitivamente alguns verbos estão ligados com a psique da minha gravidez:
ASSELVAJAR, ABRUTALHAR, BESTIALIZAR, BARBARIZAR. 

Sejam bem-vindos, verbos, estou adorando não ligar muito para o público e agir pelo 
instinto, é mais uma coisa a se aprender. Temos sim mecanismos de defesa. E sim, 
quanto mais nos importamos na vida com o que os outros (não os próximos, os distantes)
vão pensar, mais sofrimento estamos litigando para nós mesmos. Pleitear a aceitação do 
outro é pleitear sofrimento para si mesmo.

Ainda não me sinto conectada com minha bebê da forma como idealizei, talvez por ela
só ter cinco meses, talvez porque precise desenvolver mais a minha habilidade de conexão.

Até agora eu a senti mexer menos do que eu quero sentir, conversei com ela menos do 
que quero conversar, e tive mais ansiedade pela saúde dela do que eu queria sentir.
Porém... levei-a para mais lugares legais do que eu imaginava que ia levar, ela nadou em
mais águas variadas do que muitos bebês por aí e com certeza comeu mais frutas, cereais
e comidas naturebinhas do que eu tinha comido antes. 

Lá no trabalho estão me chamando de Dona do Armazém, simplesmente porque qualquer 
um que esquece lanche em casa, pode abrir meu armário e encontrar na prateleira de cima
inúmeros chás relaxantes, calmantes, energizantes, pacotinhos de sementes, mix de cereais, 
frutas secas, barrinhas de cereais, entre outras delícias de lanchinhos.

Tenhamos calma, filha, estou fazendo meu melhor, mas sei que ainda posso tentar fazer 
mais, mas também quero aceitar o tanto que estou fazendo como algo bom e suficiente.
Tente me entender, estou tentando te entender desde que você chegou, simplesmente porque
você me interessa, mais que qualquer outra coisa que existe em mim. 


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