Outbacker




Então apertei os olhos para aparar a poeira com os cílios,
a minha boca continuava seca pela sede e pelo longo silêncio.

Aquele horizonte não me trouxe nenhuma perspectiva futura,
mas me trouxe a obrigação de não dar notícias e também um cacto.

Era tudo muito bege e muito seco, um monte de nada a céu aberto,
um calor que só não era insuportável por causa do vento.

E eu não tinha ninguém ali. Não tinha que dizer nem fazer nada.

Eu não tinha que pensar e ninguém sabia que eu existia... não
sabiam que eu estava ali, morando naquela casa no meio do nada,
um tanto quanto longe daquela estrada de betume negro e oleoso ...

Eu fechei os olhos e senti o vento jogar meu cabelo na frente do
meu rosto... eram rajadas de areia que rasgavam, doíam, mas era
tão bom o vento, refrescava momentaneamente o calor. Meti a mão no
quadril, tateando pelo maço... peguei um cigarro de dentro do box.

Num movimento brusco acendi o meu cigarro, me protegendo do vento,
e traguei aquela fumaça fresca, como se eu tivesse respirando ar puro.

Sorri de sarcasmo e acidez de ser tão dona daquele momento, comecei a
andar em linha reta, na direção que afastava da casa, lentamente...

O vento mudou de direção e jogou meu chapéu para trás. Senti a corda
dele sufocar um pouco minha garganta, respirei fundo sem mudar a corda
de lugar... me senti ainda mais potente, mais resistente. Dei mais uma
tragada, segurando o filtro macio entre o indicador e o polegar.

Fui caminhando para trás da casa. Toda a raiva e todo o descontrole que
eu tinha sentido algum dia, ficou ali atrás, e me parecia tão absurdo...

Pisei no seu esqueleto fétido que ainda estava naquele chão. Senti os
ossinhos da sua mão contra a sola da minha bota. Eu não sentia nada,
aquela carcaça frágil não me causava a menor emoção, nem o desprezo.

E eu lembro do tiro até hoje, o tiro que eu te dei, eu lembro de você
apodrecendo, daquela festa de urubus que fizeram na sua carniça débil.

Entrei em casa e liguei o rádio... bem ali ouvi o famoso refrão, que me
tirou mais um sorriso da boca devido à ironia do radialista saudoso:

"These boots are made for walking, and that's just what they'll do,
one of these days these boots are gonna walk all over you..."


Nina
04/10/2011

Comentários

Gaspa disse…
Massa. Gostei do gancho e do cenário.

Vou escrever um texto lembrando de:
"jane-jane! jane-jane!" =P
Dandalunda disse…
uhu! escreve mesmo! para vc se inspirar, olha aqui o gatinho que canta jeini-jeini: http://1.bp.blogspot.com/_M1zg0keE0pw/TK0PXNtj3HI/AAAAAAAAGhU/8awJ_qe_plA/s1600/tiao.jpg

Postagens mais visitadas deste blog

novos ares, novo layout!

Barrabás - "A Casa dos Espíritos" (Allende)

é tempo de diospiro!!!!!!!!!!!!